RONALDO, DE HERÓI DO PENTA A FENÔMENO DO ATIVISMO EM CAUSA PRÓPRIA

Ronaldo Copa do Mundo comentarista Globo
Ronaldo na abertura da Copa da Rússia. ALEXANDER NEMENOV (AFP)

Artilheiro do pentacampeonato mundial com a seleção brasileira, em 2002, Ronaldo Nazário voltou a ser escalado em uma Copa do Mundo. Dessa vez, ele foi atração da cerimônia de abertura na Rússia, ao lado do cantor Robbie Williams. Como no Mundial passado, ainda será comentarista da Rede Globo nas partidas do Brasil. A reaparição com pompas de Ronaldo, que mantém inabalada a imagem de ídolo, pelo menos para o mercado, parceiros comerciais e patrocinadores, contrasta com sua escanteada verve política. De herói do penta a fenômeno do ativismo em causa própria, do cidadão que pretendia usar o prestígio de atleta consagrado para melhorar o país ao astro que saiu de cena após o mar de lama da corrupção engolir seu candidato a presidente nas últimas eleições, Ronaldo deixa cada vez mais claro que só entra em campo na boa, jogando para a torcida até o ponto em que o vento sopra a seu favor.

Recentemente, antes de embarcar para a Rússia, ele estrelou um comercial da Empiricus, empresa de análise financeira conhecida pelo tom apocalíptico e agressivo de suas campanhas de marketing. Ronaldo empresta a voz ao seguinte discurso publicitário: “Jogador de futebol tem carreira curta. São poucos os que ganham dinheiro. E dos que ganham, raríssimos os que conseguem manter o padrão de vida quando se aposentam. Eu posso dizer o contrário. Eu ganhei dinheiro, mesmo depois que me aposentei dos gramados. E o que eu fiz de diferente? Aprendi a andar com as pessoas certas.”

Constata com precisão a realidade da maioria dos jogadores, que pecam pela falta de planejamento pós-carreira. Porém, para quem há até pouco tempo se dizia comprometido em se portar como um padrão de ética e conduta para o Brasil, Ronaldo mostra desfaçatez ao justificar seu sucesso econômico bradando ter aprendido a andar com as pessoas certas. No mundo fenomenal, o que viriam a ser “pessoas certas”? Ricardo Teixeira, a quem ele bajulou defendendo sua permanência no comando da CBF? Marco Polo Del Nero, com quem tentou negociar contratos de patrocínio antes da Copa no Brasil? Ou Aécio Neves, amigo de longa data que recebeu seu apoio incondicional na última campanha à Presidência da República? Todos eles indiciados pela Justiça por suspeitas de corrupção.

O endosso a Aécio expôs o frágil engajamento de Ronaldo com a causa pública. Não pelo candidato que escolheu, pois é saudável que jogadores e ídolos do esporte tomem partido, se posicionem sobre questões nacionais, independentemente do tema ou da orientação ideológica. Mas sim por confundir militância com oportunismo político. Logo que o senador tucano foi derrotado nas urnas, Ronaldo engrossou as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff e posou com a camisa: “A culpa não é minha, eu votei no Aécio”. Depois que o ex-governador de Minas Gerais foi sugado pelo escândalo de propina envolvendo a JBS, o Fenômeno, que via com bons olhos a possibilidade de se tornar ministro do Esporte em um eventual governo do candidato do PSDB, tirou seu time de campo da política.

Jamais voltou a mencionar publicamente o tucano que agora responde a nove processos no STF por acusações de corrupção. Questionado sobre o tema, adota o discurso de que “não é o momento de procurar culpados”. Seria sensato pensar assim, já que, em uma democracia, nada mais compreensível que mudar de opinião, mantê-la ou reconhecer a desilusão por um voto. Entretanto, foi justamente Ronaldo um dos primeiros a caçar culpados ao debochar com o lema de que a culpa não era sua. A aventura de militante na política se resumiu a lançar uma pedra ao mar e correr dos respingos.

Romário, hoje senador, teceu uma crítica pertinente ao comportamento “camaleão” de seu ex-companheiro de ataque na seleção brasileira. “O cara era Dilma antes da Copa. A Copa acabou, passou a ser Aécio. Ele foi a favor da Copa do Mundo. Depois, meteu o pau”, disse o pré-candidato ao governo do Rio pelo Podemos. Ronaldo integrou o Comitê Organizador da Copa. Enquanto protestos se espalhavam pelo país, ele chegou a dizer que “não se faz Copa com hospitais”, defendendo os gastos do governo federal em estádios. Após o Mundial, passou a ser crítico das obras superfaturadas e entrou de cabeça na campanha em prol de Aécio Neves.

Em que pese suas próprias contradições e a fama de falastrão, Romário também fez leitura cirúrgica sobre a maleabilidade do Fenômeno no campo político: “Ele é um grande ídolo. Agora, politicamente, o Ronaldo é zero, um copo d’água em cima da mesa. Se beber, bebeu. Se não beber, fica aí. Nunca apitou porra nenhuma na política. Já ouvi comentários de que ele tem interesse em se candidatar. Se um dia virar político, aí, sim, ele vai deixar de ser um copo d’água”. Evidentemente que não é preciso ocupar um cargo público para exercer o papel de cidadão. Mas, para uma figura célebre do porte de Ronaldo, pega mal se vender como personalidade preocupada com os rumos do país apenas quando os amigos precisam de uma mãozinha.

Incoerências à parte, o antigo centroavante da seleção continua sendo uma máquina de ganhar dinheiro fora dos gramados. Fundou uma empresa de marketing esportivo, a 9ine, em 2010. Entre sua cartela de clientes estava Neymar, maior craque brasileiro da atualidade. Ronaldo nunca enxergou conflito de interesses ao conciliar a função de comentarista da Globo na última Copa com a de gestor da imagem do principal jogador da seleção. Embora tenha encerrado as atividades da 9ine por causa da crise econômica, ele é sócio da Octagon, que cuida dos patrocínios de Gabriel Jesus, herdeiro da camisa 9 que um dia foi de Ronaldo. Como criticar com isenção o cliente que depende da opinião pública para gerar novos contratos publicitários? A indiscutível habilidade de transitar rapidamente entre universos tão diferentes parece ajudar nessas horas. Ronaldo não se constrange em trocar as bandeiras que levanta de acordo com aquilo que lhe convém. Basta lembrar 2008, quando fazia juras de amor ao Flamengo, que assegurava ser seu time do coração, mas, depois de fechar com o Corinthians, virou corintiano de carteirinha.

É inegável que sua história vitoriosa no futebol e na seleção não está em xeque pelos posicionamentos dúbios depois de pendurar as chuteiras, assim como é louvável a iniciativa de bancar a Fundação Fenômenos, que promove atividades de inclusão social em bairros de periferia. Mas, camuflado entre apadrinhamentos por conveniência e acordos comerciais, o faro oportunista que ostentava nas áreas adversárias se converte em gol contra nas investidas pela política. Enquanto estiver mais preocupado em ganhar dinheiro e andar com as “pessoas certas”, Ronaldo dificilmente conseguirá se estabelecer como um exemplo positivo no jogo democrático. Ainda que volte a subir em outro palanque nas próximas eleições, já deu mostras suficientes de o interesse em manter a prosperidade de seus negócios se sobrepõe ao suposto compromisso de ajudar a melhorar o Brasil.

Por Breiller Pires – El País

galego novo dez 17

COPA DO MUNDO COMEÇA COM DESAFIO DE CONTAGIAR O BRASIL

Brasil
Brasileiros ainda não se animaram com a Copa. Foto: Marcelo Chello/EFE

A Copa do Mundo começa nesta quinta-feira com um desafio praticamente inédito: contagiar o torcedor brasileiro, abatido por escândalos na política, dúvidas na economia e ameaças de greves. Diante desse cenário, é inevitável a pergunta: o Mundial vai pegar no País do Futebol?

“A paixão pelo futebol não morreu. Ela vai aumentar após as partidas, mas o clima é ruim. Há uma desconfiança generalizada no País, um baixo-astral na sociedade gerado pela greve dos caminhoneiros. O brasileiro ainda está alheio à Copa e preocupado com outras coisas. Mas, quando ela começar, vai suscitar grande motivação”, acredita o cientista político Marco Antônio Teixeira.

É inegável que o clima eufórico das Copas anteriores não existe nesse momento no Brasil, que até duas semanas atrás vivia uma paralisação nas estradas que poderia muito bem explicar o sentimento que separa um Mundial (2014) do outro (2018). A paralisação dos caminhoneiros, a disparada do dólar, a falta de emprego, a violência nas principais cidades, a inadimplência e a completa indefinição no cenário da corrida presidencial ajudam a gerar esse clima de distância da competição. Uma pesquisa recente do Ibope mostrou que apenas 24% dos brasileiros afirmavam ter muito interesse no torneio.

Com a greve, o varejo deixou de vender cerca de R$ 245 milhões em televisores, um produto diretamente ligado à Copa. Antes dela, o ritmo das vendas estava parecido ao do mesmo período de 2014. A queda foi de 24%. Quem queria comprar, segurou o desejo. A expectativa dos varejistas é que a retomada aconteça com as vitórias do Brasil na primeira fase da Copa.

Uma outra forma de aferir o interesse do torcedor diz respeito ao canal de busca do Google Trends no Brasil nesta semana. A procura na internet pelo Mundial da Rússia é a menor se comparada no mesmo período às três últimas edições da competição, de 2006 (Alemanha), 2010 (África do Sul) e 2014 (Brasil).

O futebol também foi parar atrás das grades. A CBF, que comanda a seleção, teve um presidente preso por corrupção nos EUA (José Maria Marin) e outro banido do esporte pela FIFA, Marco Polo del Nero, pelo mesmo motivo. Muitos torcedores já perceberam que o esporte moderno virou um grande negócio, que move cada vez mais interesses econômicos e pessoais do que a boa e velha paixão. Nesta quarta-feira, o técnico da Espanha, Julen Lopetegui, foi demitido às vésperas da competição porque aceitou convite do Real Madrid.

Não se pode descartar, no entanto, a possibilidade de a Copa pegar no Brasil, como pegaram todas as outras enquanto a seleção esteve em pé. “O brasileiro sabe que o futebol é hoje um grande negócio, mas ainda mantém sua paixão pela seleção nacional”, diz Teixeira.

O futebol sempre se comportou com certa distância dos acontecimentos políticos e sociais que movem o Brasil. Copa do Mundo sempre foi Copa do Mundo, independentemente das agruras do País. Futebol e política só estiveram juntos nas comemorações. Este ano essa condição foi quebrada pelo próprio técnico Tite ao afirmar ao Estado que não levaria seus jogadores, nem ele próprio iria, para festejar a conquista ou lamentar o fracasso do torneio em Brasília.

A globalização no esporte também pode ajudar a aumentar esse interesse pela disputa. Nesta sexta-feira, por exemplo, há um Portugal e Espanha em Sochi. Com Cristiano Ronaldo em campo e uma Espanha remodelada mesmo sem treinador, não há brasileiro que resistirá ao Mundial. Muito menos quando a seleção brasileira entrar em campo contra a Suíça, no primeiro jogo da fase de grupos, domingo, às 15h, em Rostov.

Em 2014, um bilhão de torcedores sintonizaram na Copa para assistir à decisão no Rio. O torneio registrou audiência residencial de 3,2 bilhões de pessoas em todo o mundo. A Copa só está começando e sua força de novo será testada no Brasil.

Estadão Conteúdo

galego novo dez 17

 

O SHOW DE TRAPALHADAS DO CORONEL NUNES, PRESIDENTE DA CBF, NA RÚSSIA

Coronel Nunes durante papo com jornalistas em Sochi
Coronel Nunes durante papo com jornalistas em Sochi (Luiz Felipe Castro/VEJA.com)

Se em campo a seleção brasileira de Tite vai muito bem, obrigado, a mais alta cúpula da CBF vem dando um vexame atrás do outro. A esculhambação da cartolagem nacional está hoje personificada em Antônio Carlos Nunes de Lima, o coronel Nunes, que assumiu a presidência da entidade após o banimento de Marco Polo Del Nero. Em solo russo para acompanhar a equipe na Copa do Mundo, o ex-coronel paraense admitiu que jamais imaginou estar, aos 80 anos, no cargo que ocupa. E, totalmente despreparado, vem colecionando trapalhadas, uma delas com possíveis consequências políticas: uma “traição” ao voto conjunto da CONMEBOL para a sede da Copa de 2026.

Um dia antes do congresso da FIFA, Nunes esteve em Sochi para acompanhar o treino da seleção. Animou-se a conversar com um grupo pequeno de jornalistas e, em menos de dez minutos, deu um verdadeiro show de desconhecimento: confundiu o Mar Vermelho com Mar Negro, disse que o Brasil quebraria um tabu de nunca ter ganhado uma Copa na Europa (o primeiro título, em 1958 foi na Suécia) e constrangeu a todos ao chamar Michel Platini, um dos grandes jogadores de sua geração e banido do futebol como cartola, de “aquele menino francês”.

Também comentou sobre o fim “daquela URSS”, se disse íntimo do presidente da FIFA, Gianni Infantino, e exaltou seus feitos de quando era cartola do Paysandu – “carreguei aquele clube nas costas.” Desconversou sobre Del Nero, banido do futebol por suspeitas de corrupção. “Não temos conversado ultimamente.” Tudo bastante constrangedor, mas nada que fosse digno de nota, até pela pouca relevância do cartola alçado à presidência por uma manobra política – foi escolhido vice-presidente por ser o mais velho e, de acordo com as regras da CBF, assumir em caso de afastamento de Del Nero.

Mas nesta quarta-feira, o despreparo do coronel tomou maiores proporções em Moscou. Ao contrário do que havia dito aos próprios jornalistas na véspera, ele não votou na candidatura da América do Norte (Estados Unidos, México e Canadá), que venceu e será sede da Copa de 2026. Preferiu o derrotado Marrocos. Questionado por jornalistas presentes, mostrou-se surpreso. Não sabia que o voto de todas as confederações seria aberto e revelado instantes depois pela FIFA. Depois justificou, dizendo ter simpatia pelo Marrocos. “Os Estados Unidos já sediaram uma vez, né? O México vai para a terceira Copa. O Marrocos nunca foi sede de uma Copa. Então, por isso, fiz essa escolha”, disse, na zona mista.

O Brasil será sede da próxima Copa América e a “traição” ao bloco sul-americano certamente não será bem-vista nas próximas reuniões. É bem provável que dirigentes e assessores da CBF peçam que sua maior autoridade, ao menos em teoria, adote um tom mais discreto assim que a Copa começar.

Por Luiz Felipe Castro – Veja

galego novo dez 17

RÚSSIA AINDA VIVE CLIMA TÍMIDO ANTES DA BOLA ROLAR NA COPA

Moscou será a grande protagonista da Copa, palco da abertura e final

Eliminada na primeira fase nos três últimos Mundiais que disputou (1994, 2002 e 2014), a Rússia abre a 21.ª edição da Copa do Mundo diante da Arábia Saudita, nesta quinta-feira, ao meio-dia, como coadjuvante, longe de ser favorita. Esses fiascos ajudam a explicar a chegada tardia do clima de festa. Mas não é tudo. Foi só no início desta semana que os torcedores russos começaram a aparecer na Praça Vermelha, arquibancada urbana ocupada pelas torcidas de vários países nas vésperas do Mundial. Pouco afeitos à paixão do futebol, os russos foram puxados pelas mãos de uruguaios, iranianos e argentinos quase literalmente para a ciranda da bola. Essa será uma Copa dos estrangeiros.

Distante do solene discurso do presidente Vladimir Putin, que afirmou nesta quarta-feira no Congresso da FIFA que “o sonho da Copa está se tornando realidade”, a vida miúda dos russos comuns vai seguir normalmente. Não há previsão de alteração no horário dos bancos, que funcionam das 10h às 20h. As universidades têm uma espécie de semana do provão. O brasileiro Guilherme Gerotto da Costa, estudante de Administração na Escola Superior de Economia, já se acostumou. “As provas não param por causa da Copa”, explica. As empresas privadas não pretendem liberar seus funcionários mais cedo – o jogo na Rússia será às 18 horas.

O Brasil também vivia certo desinteresse com a Copa quatro anos atrás, mas o contexto era outro. O Mundial era contestado por vários motivos, entre eles o estouro de orçamento: foram R$ 26,5 bilhões de acordo com os números oficiais, mas parte das obras nem sequer ficou pronta. Aquele clima de “não vai ter Copa” no Brasil se transformou em um intrigante “cadê a Copa?” na Rússia. Faltava uma semana e parecia que faltava um mês. A apresentação da taça, no dia 3, concorreu com uma feira de livros tradicional em Moscou. Concorreu e perdeu. “O número de pessoas foi tão pequeno para ver a taça que eu consegui ficar colado no palco, perto da imprensa”, comemora o engenheiro mecânico Victor Gers.

Nos últimos dias, a temperatura subiu alguns graus, acompanhando os termômetros do esquálido verão. Meio sem jeito, meia dúzia de gatos-pingados fica repetindo “Rússia, Rússia”. Não há um hino provocativo como “Brasil decime qué se siente”, dos argentinos. Ou a criatividade dos colombianos, que levaram uma réplica do troféu às ruas para tirar selfies. “A Rússia é aberta, parecida com o Brasil, mas não é fanática por futebol”, explica a professora Elena Vassina, especialista em Literatura Russa.

Uma coisa ajudou na manifestação recente do espírito de Copa: o feriado do Dia da Rússia (12 de junho). Inspirados pelo patriotismo – nisso, eles são craques – , os russos desenrolaram as bandeiras. “Seremos campeões no futebol quando Brasil for campeão de hóquei”, brinca o mecânico Alexei que, como a maioria dos russos, evita revelar o sobrenome.

Estadão Conteúdo

galego novo dez 17